“Na verdade Este mandamento que hoje te prescrevo não é difícil para ti nem está fora do teu alcance. Ao contrário esta Palavra está ao teu alcance, está em tua boca em teu coração, para que possas cumprir” (Dt 30,11-14). “O que caiu em terra boa são aqueles que, ouvindo com um coração bom e generoso, conservam a Palavra e dão fruto pela perseverança” (Lc 8,15).

Por ocasião da celebração dos 40 anos da “Dei Verbum”, Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II, aconteceu, em Belo Horizonte, entre os dias 06 a 09 de 2005 o Seminário Nacional sobre a “Centralidade da Palavra de Deus na vida da Igreja”. Esse seminário revestiu-se de importância, pois a Dei Verbum enfatizou o valor da Palavra de Deus na Igreja, na vida do povo, nas comunidades, na celebração dos sacramentos, na catequese, nas famílias como alimento de vida e fonte de espiritualidade.

A Bíblia ocupa um lugar na Igreja como fonte da Revelação que inspira a reflexão teológica, catequética e pastoral. Na Igreja primitiva “a comunidade era perseverante em ouvir os ensinamentos dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (cf. At 2,42-47).

Antes da descoberta da imprensa, diante do difícil acesso à palavra escrita e das dificuldades de comunicação, a Igreja divulgou a Palavra de Deus através dos vitrais, das esculturas, das pinturas, da arte, da poesia, do teatro, dos autos…

Com o movimento da Reforma e da Contra-Reforma no Concílio de Trento (1545), a Igreja limitou o uso da Bíblia nas mãos do povo e a colocou sob a custódia da Hierarquia a quem incumbia a missão de ler e interpretar. Devolveu ao povo a “História Sagrada”, como um resumo da história da salvação.

A partir do Movimento Bíblico no século passado, gradativamente a Palavra foi devolvida ao povo. Com o Concílio Vaticano II (1962-65) e a publicação da Constituição Dogmática “Dei Verbum” um novo horizonte bíblico se vislumbrou. O povo foi estimulado a adquirir, abrir e ler a Bíblia. Aconteceu a passagem da leitura apologética, em defesa da fé católica e abriu-se para uma leitura iluminadora da vida da Igreja.

As grandes conquistas dos estudos bíblicos foram colocadas ao nível das comunidades que começam a beber das fontes mais puras da Palavra de Deus. Assim a Bíblia foi declarada principal fonte da catequese. A celebração da Eucaristia dá ênfase a Liturgia da Palavra com leituras e salmos. A homilia passa a ter um cunho bíblico. A Bíblia foi devolvida às comunidades, às famílias e ao conjunto de toda ação evangelizadora da Igreja.

Por influência das Conferências de Medellín (1968) e Puebla (1979, as comunidades redescobrem a leitura do Antigo Testamento e com ele se identificam. Em Jesus histórico encontram o caminho de vida, de esperança, de libertação e de salvação. O povo aprende a ler a Bíblia, a gostar dela e a encontrar nela uma palavra orientadora e consoladora para a vida. As comunidades aprenderam a ler a Bíblia em mutirão e refletir sobre a realidade à luz da Palavra de Deus.

Em continuidade a essas conquista no campo da Animação Bíblica, por uma feliz iniciativa de Bento XVI, convoca para os dias 05 a 26 de outubro de 2008 o Sínodo dos Bispos com o tema “A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja”. O Texto “lineamenta” já está nas mãos de todos os bispos e interessados para o estudo e contribuições.

Na introdução o texto afirma que o “homem contemporâneo mostra de tantas maneiras que tem uma grande necessidade de ouvir Deus e falar com Ele. Nota-se, entre os cristãos uma abertura apaixonada para a Palavra de Deus como fonte de vida e graça de encontro do homem com o Senhor”. (2)

O Sínodo propõe-se, entre os seus objetivos, “contribuir para esclarecer aspectos fundamentais da verdade sobre a Revelação, tais como a Palavra de Deus, a Tradição, a Bíblia, o Magistério, que justificam e asseguram um válido e eficaz caminho de fé; acender a estima e o amor profundo pela Sagrada Escritura, fazendo com que os fiéis tenham amplo acesso a ela; renovar a escuta da Palavra de Deus, no momento litúrgico e catequético, nomeadamente com o exercício da Lectio Divina, devidamente adaptada às várias circunstâncias; oferecer ao mundo dos pobres uma Palavra de consolação e de esperança. (5)

O texto preparatório valoriza o ministério da Palavra ao afirmar “o ministério da Palavra, isto é, a pregação pastoral, a catequese e toda a forma de instrução cristã, onde a homilia litúrgica deve ter um lugar privilegiado, salutarmente se alimenta e santamente se revigora com a Palavra da Escritura”. “A obra da evangelização e da catequese está a revitalizar-se precisamente graças à atenção dada à Palavra de Deus”. É um dos frutos mais notáveis do Concílio Vaticano II. Há que avançar por essa estrada, alargá-la e melhorá-la, renovando certezas e oferecendo serviços. A Igreja, aliás, sabe que, recebendo em dom a Palavra de Deus como o seu maior tesouro, recebe também o que constitui o seu maior dever: passá-la a todos”. (23)

Por isso “deve ter-se presente as formas de comunicação da Palavra e, ao mesmo tempo, as exigências sempre novas dos fiéis nas diferentes idades e condições espirituais, culturais e sociais das diversas Igrejas locais”.

“Lineamenta” ainda insiste que “dadas as grandes mudanças culturais e sociais, torna-se necessária uma catequese que ajude a explicar as ‘páginas difíceis’ da Bíblia, no âmbito da história, da ciência e do problema moral, e indicar o caminho de solução para certas formas de representar Deus, o homem e a mulher e a ação moral, sobretudo no Antigo Testamento”. (23).

Aponta ainda que “é necessário que a escuta da Palavra se torne um encontro vital, na antiga e sempre válida tradição da Lectio Divina, que permite colher no texto bíblico a Palavra viva que interpela, orienta e plasma a existência” “mediante a utilização também dos novos métodos, cuidadosamente ponderados” para “a adquirir familiaridade com a Bíblia, a tê-la ao alcance da mão, para ser uma bússola a indicar a estrada a seguir”. “A leitura assídua da Sagrada Escritura, acompanhada da oração, realiza aquele íntimo colóquio, em que, lendo, se escuta Deus que fala e, rezando, responde-se a Ele com confiante abertura do coração” (25).

O Sínodo é um tempo de kairós para a Igreja, pois ainda são milhões de cristãos que caminham na carruagem da vida como o mordomo da rainha da Etiópia que pergunta: “como é que posso entender se não há quem explique?” (cf At, 8 26-40). “Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer” (IRs 19,7) até que a Palavra de Deus seja verdadeiramente a centralidade das ações, da reflexão e da vida da Igreja. E este é o nosso desafio: “E cada dia, no Templo e pelas casas, não cessavam de ensinar e anunciar que Jesus é o Cristo” (At 5,42).

Dom Juventino Kestering

Bispo da diocese de Rondonópolis (MT)