28/01/2011
Sérgio Cavalieri
Sérgio Cavalieri é presidente da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa – ADCE/MG
Começo de governo é sempre uma boa oportunidade para voltar a uma discussão que nunca sai de pauta: qual deve ser o tamanho do Estado, na economia e na vida dos cidadãos? Há e sempre haverá controvérsias. Adam Smith pregava a prevalência do livre mercado, capaz, por si só, de resolver todos os problemas. Não imaginava o pai da moderna economia que a metáfora da mão invisível do mercado, geraria tanta polêmica. Em contraposição estão os que pregam o controle absoluto pelo Estado, como os comunistas, hoje uma corrente em extinção em função da derrocada dos países que viviam sob este regime. No meio, à direita e à esquerda, tal como um degradé ideológico, o debate sobre o tamanho do Estado adquire nuances variadas na visão de neoliberais, social-democratas e inúmeras outras designações.
Na verdade, o grau de regulação e de controle a que está submetido um mercado define a sua abertura e o maior ou menor espaço para que a livre iniciativa possa prosperar, para que surjam e prevaleçam o empreendedorismo e a inovação que se traduzem em aumento da competição, da produtividade e, via der consequência, a melhoria dos produtos e serviços ofertados à sociedade, com vantagens para os consumidores e a própria economia. Avançando nesta tese, pode se imaginar que o modelo capitalismo, onde o mercado reina soberano, pode trazer mais benefícios para a sociedade do que regimes intervencionistas.
Não é uma tese consensual. Ao longo da história da humanidade, raras vezes as economias do mundo experimentaram momentos em que o mercado pode ser considerado perfeito, como imaginara Adam Smith, nem que tenha sido justo e próspero para todos. Na prática, a prevalência das regras de mercado causou disparidades e gerou profundos desequilíbrios sociais. Em muitos países é quase impossível para as populações pobres, conseguirem, por si só, reduzir a diferença em relação às mais ricas: os ricos sempre ficam mais ricos a uma velocidade maior do que os pobres ficam menos pobres. A exacerbação desta assimetria torna necessária e indispensável uma mediação externa que reduza as iniqüidades presentes no mercado.
Este, com certeza, é um tema que extrapola os limites da economia pura para influir diretamente na vida das pessoas, razão pela qual a doutrina social cristã, na qual se fundamenta o trabalho da ADCE, se posiciona e emite orientações. Ao Estado, compete as tarefas que somente a ele cabe realizar e, portanto, são indelegáveis. Todas as demais atividades são da alçada da iniciativa privada. Neste contexto, no entanto, os dirigentes empresariais – na visão da ADCE, todos aqueles que detêm poder numa empresa -, devem ter a consciência de, antecipadamente, examinar os impactos que uma determinada decisão terá sobre as pessoas que gravitam no entorno da organização.
O que a ADCE propõe é uma gestão na qual o homem esteja sempre em primeiro plano. Sob este foco, a empresa não é um fim em si mesmo; é, antes, instrumento de promoção da pessoa e do bem estar da sociedade – e o lucro, legítimo desde que atendidas todas as exigências de uma gestão ética e socialmente responsável, não é o objetivo maior. É, na verdade, conseqüência e indicador de eficiência da gestão. Como se pode constatar, Adam Smith atirou no que viu e acertou no que não viu. A mão invisível que imaginou pode até funcionar, mas certamente não vem das forças do mercado.
O importante é que nos conscientizemos, todos, de que mercado bom não é o mercado regulado, que oprime, castra e inibe talentos. Tampouco é o mercado liberal, que viola direitos e concentra poder e riqueza. O bom mercado é aquele que se regula pelo respeito ao bem comum e que se orienta por valores, pela justiça, pelo zelo ao ser humano. O bom mercado é aquele aonde, incondicionalmente, a solidariedade prevaleça. Não é diferente com governos e, assim, é a partir destes princípios e valores que a presidente Dilma, governadores e parlamentares recém empossados devem orientar a sua conduta.
Fonte: jornal Correio Semanal (Grupo Revista VIVER BRASIL), na edição 107, do período 24 a 30 de janeiro de 2011.