11/12/2009
Júlio César Vasconcelos
Fonte: Jornal Estado de Minas – Caderno Trabalho
O filósofo inglês Thomas Hobbes, no século 17, criou o conceito de capitalismo liberal, em que o ser humano é considerado essencial e naturalmente egoísta e antissocial e vive em guerra permanente de todos contra todos. Homo homini lupus (o homem é lobo do homem). Nesse modelo, as organizações vivem exclusivamente para alcançar o lucro máximo, não importando para isso que os meios utilizados sejam em detrimento de valores éticos e legais. Prevalece a máxima de Maquiavel: “O fim justifica os meios”.
Contrariamente ao pensamento do renomado filósofo, surgiu no século 19, com o objetivo de coibir os abusos do capitalismo selvagem e influenciado pela doutrina cristã, o conceito clássico de capitalismo social. O conceito preconiza que o ser humano é natural e essencialmente social e que estabelece objetivos comuns, em que todos colaboram para a busca da felicidade. Nesse modelo, a razão primeira de ser de uma organização é a produção de bens ou serviços que promovam o bem-estar social.
Os resultados financeiros, embora absolutamente necessários para a sobrevivência do negócio, são apenas uma consequência do objetivo principal. A organização deve agir dentro da lei e, além dela, remunerando os empregados de maneira justa e, muitas vezes, superior ao mínimo legal e zelando de maneira ostensiva pela qualidade de vida no trabalho e pelo respeito ao meio ambiente e à comunidade onde ela está inserida. Os valores éticos absolutos devem ser criteriosamente respeitados, mesmo que haja prejuízo financeiro.
Durante uma aula de ética e relações no trabalho em um curso de pós-graduação de gestão de pessoas em que leciono, uma aluna, surpresa e entusiasmada com a filosofia do capitalismo social, lançou-me uma desafiadora pergunta:
– Professor, existe alguma empresa que pratica o capitalismo social?
Infelizmente, a pergunta da aluna nos leva a um quadro assustador. Vamos aos fatos: estamos em nono lugar na lista de países que mais geram acidentes do trabalho, são cerca de 500 mil registros por ano. O passivo trabalhista com o desrespeito à legislação assume proporções assustadoras. A previdência gasta em média R$ 10 bilhões por ano com ocorrências que afastam os empregados por mais de 15 dias devido a acidentes de trabalho. Ao primeiro sinal de crise, o capitalismo selvagem reage e demite sumariamente um número enorme de trabalhadores, colocando na rua um contingente assustador de pais de família desempregados.
Atualmente são cerca de 2 milhões em busca de emprego, representando aproximadamente 7,5% da população economicamente ativa. O meio ambiente sofre com a destruíção das florestas e o despejo indiscriminado de lixo, produtos químicos e gases contaminados na atmosfera. São toneladas e toneladas de produtos anualmente jogadas criminosamente nos rios, lagos, ares e mares, sem a mínima preocupação ambiental. Desse jeito, onde vamos parar?
No entando, conforme respondi à aluna, apesar deste cenário escabroso, nem tudo está perdido. Alguns belos exemplos ainda podem ser resgatados, algumas empresas iluminadas podem ser destacadas. São empresas que descobriram que investir em responsabilidade social, em desenvolvimento sustentável, segundo o princípio do triple bottom line (foco no econômico, no social e no embiental), é urgente e necessário para a sua sobrevivência e da humanidade e, além de tudo, gera retorno financeiro.
São empresas como o Wal-Mart, a Natura e a Catterpiller, entre outras, que fazem parte do Relatório Anual da revista Exame de sustentabilidade e das Melhores Empresas para se trabalhar no Brasil. Descobriram o círculo virtuoso da sustentabiliade: empresa que valoriza seus empregados e respeita o meio ambiente e a comunidade onde está inserida aumenta sua produtividade e tem como retorno alta lucratividade. Essa lucratividade socialmente bem dividida aumenta o poder aquisitivo da população, que, por sua vez, compra mais, gerando mais lucratividade, formando assim um círculo em que, no final, todos saem ganhando.
Já nos idos de 1948, Monteiro Lobato no seu belíssimo texto Apelo aos nossos operários, proclamava: “O verdadeiro objetivo de uma indústria não é ganhar dinheiro e sim o bem servir ao público, produzindo artigos de fabricação conscienciosa e vendendo-os pelos preços mais moderados possíveis… Quem não pensar assim prestará um verdadeiro serviço à empresa, ao público e aos seus colegas, retirando-se do cenário…”.
Quiçá essa linha de raciocício contamine todos os nossos empresários e executivos, formando um verdadeiro mutirão em busca da sustentabilidade. Utopia?! Vale relembrar uma famosa frase de d. Helper Câmara: “Gosto de pássaros que se apaixonam pelas estrelas e voam em sua direção até cair de cansaço!”…
Sobretudo, precisamos acreditar…